A notícia de uma possível interferência do governo nas eleições da Associação Argentina de Futebol (AFA) criou um temor de que a seleção argentina e até mesmo o Boca Juniors pudessem sofrer as consequências de uma eventual punição pela Fifa. Mas qual é a real chance de o futebol do país ser suspenso pelo imbróglio? O UOL Esporte explica em 10 passos o que está por trás da crise e avalia se existe a real ameaça de punição.
1 – O estopim
O ponto de partida para a crise – pelo menos em sua repercussão mundial – está na decisão anunciada na segunda-feira pela Inspeção Geral de Justiça (IGJ) da Argentina em nomear duas pessoas com poder de decisão na AFA (Associação de Futebol Argentino) e suspender as eleições previstas para 30 de junho. A justificativa oficial: analisar as recentes irregularidades denunciadas contra cartolas e a crise institucional e econômica da AFA.
2 – O risco de punição
Ao olhar estrangeiro, o impacto imediato da medida foi a abertura da possibilidade de punições ao futebol argentino. O motivo: a Fifa prevê em seu regulamento a capacidade de punir - até com exclusões - a seleção e clubes de um país em que ocorra uma interferência de um governo na federação. Assim, as participações do Boca Juniors nas semifinais da Copa Libertadores e da Argentina na Copa América foram as primeiras a serem colocadas em dúvida por críticos da medida. Porém, como veremos abaixo, o governo tomou cuidados para evitar punições.
3 – Histórico da Fifa e caso singular
Recentemente, a Indonésia, o Kuwait e o Benin foram suspensos por motivos parecidos: intervenções políticas em suas respectivas federações de futebol. O último caso foi no Kuwait, que em outubro do ano passado foi suspenso por tempo indeterminado, com a seleção e os clubes ficando proibidos de participarem de competições internacionais.
Porém, nunca um país com a representatividade da Argentina no futebol mundial esteve em uma situação parecida. Uma punição aos moldes das anteriores poderia significar, por exemplo, a ausência de Lionel Messi da Copa do Mundo – caso a seleção argentina fosse suspensa durante as Eliminatórias. Esta singularidade cria dúvidas sobre a extensão de uma eventual punição por parte da Fifa.
4 – Governo diz agir conforme a lei e com a ciência da Fifa
Atual presidente da Argentina, Mauricio Macri tem longa experiência no futebol como mandatário do Boca Juniors de 1995 a 2008. Logo, tem conhecimento suficiente para avaliar os riscos da decisão do governo, tanto que respaldou a ação em uma lei nacional e informou com antecedência o presidente da Fifa, Gianni Infantino.
Segundo o site Infobae, Macri informou em teleconferência que tinha evidências suficientes para sustentar a ação e pediu para Infantino o acompanhar na investigação. Uma versão não confirmada pela Fifa indica o envio de três representantes da entidade para avaliar as alegações do presidente argentino, o que seria um indício de que, pelo menos a princípio, uma punição não está em jogo.
Fora isso, a lei nacional 22.315 da Argentina permite a interferência em qualquer associação civil se são verificadas violação de lei, estatuto ou regulamento. O governo ainda sustenta que não se trata de uma intervenção, mas apenas de uma inspeção realizada por dois técnicos – o advogado Luiz Tozzo e a contadora Catalina Dembitzky - para regularizar os registros institucionais e contábeis.
5 – Mas o que está por trás da decisão de Macri?
A imprensa argentina é unânime em apontar na ação de Macri uma tentativa de brecar a candidatura de Hugo Moyano, atual presidente do Independiente e líder sindicalista dos caminhoneiros do país. A Casa Rosada teria análises seguras de que Moyano – ou seu genro Claudio "Chiqui" Tápia, também candidato - conta com votos suficientes para se eleger presidente da AFA e que colocaria na entidade uma agenda contrária aos planos de Macri para o futebol do país.
O choque entre os dois ficou claro nas últimas semanas. No campo político do país, Moyano organizou uma manifestação contra o governo. No imbróglio da federação argentina, diante da possibilidade de intervenção, ele ameaçou: "se o governo intervém, nós paramos o futebol, o Boca fica fora da Copa Libertadores e a seleção volta da Copa América". Anunciada a ação, ele não recuou: "não tenho medo de Macri".
6 – E a atual diretoria da AFA?
Presidida temporariamente por Luis Segura, a AFA contestou a decisão do governo e tentou garantir a realização da eleição na data marcada. Mas o secretário-geral da entidade, Damián Dupelliet, foi além e ameaçou trazer de volta a seleção que está nos Estados Unidos para a disputa da Copa América. Segura desmentiu: "é um cenário impossível".
O desencontro da atual direção ficou ainda mais claro com uma nota oficial na terça-feira em que a AFA dizia que realizaria as eleições para a presidência da entidade em 30 de junho, alegando que a sentença da Inspeção Geral de Justiça (IGJ) "não estava firme". Mais tarde, porém, a entidade reconheceu que juridicamente a eleição está suspensa no momento.
7 – Quem são os outros candidatos?
Além do presidente do Independiente, são candidatos o presidente do Belgrano, Armando Pérez, o presidente do Barracas Central e aliado de Moyano, Claudio Tapia, o vice-presidente do San Lorenzo, Marcelo Tinelli, e Nicolás Russo, presidente do Lanús. Segundo a imprensa argentina, Armando Pérez é o favorito de Macri para ganhar a eleição.
8 – Papelão não é inédito
As primeiras eleições da AFA desde o fim da era Grondona têm reservado um roteiro rocambolesco. Em 3 de dezembro de 2015, na primeira tentativa, a apuração apontou empate em 38 votos. O problema, no entanto, é que apenas 75 pessoas deveriam participar da votação. A crise forçou a nomeação de Luis Segura como presidente interino até a realização de novo pleito.
9 – E dentro de campo?
Brigas políticas à parte, a eleição é importante para a realização da primeira liga independente na Argentina, organizada pelos clubes nos moldes europeus. A vitória de Moyano poderia ser um grande empecilho para os planos da liga, já que o presidente do Independiente é o principal opositor da ideia. Na última terça-feira, os principais clubes do país ignoraram a crise e acertaram em reunião a divulgação da Superliga para 21 de junho.
10 – Próximos passos
Os cinco candidatos à presidência solicitaram uma reunião com Mauricio Macri para tentar colocar um ponto final na crise. A AFA, no entanto, dá indícios de que manterá a sua postura contrária à nomeação dos dois inspetores. O cenário deve forçar a Fifa a tomar uma posição, se não definitiva pelo menos indicando qual papel desempenhará no caso e se há riscos de punição.
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