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11 de agosto de 2006.
Bruno Landgraf das Neves, promissor goleiro do São Paulo e da seleção brasileira de base, dirige seu carro pela rodovia Régis Bittencourt, nas cercanias de São Paulo. Ao seu lado, amigos como o também arqueiro Weverson e a jogadora de vôlei Natália Manfrim. No quilômetro 311, o motorista perde o controle do carro, que capota diversas vezes e fica destruído. Weverson e Natália, ambos de 19 anos, morrem na hora. Bruno sofre um grave deslocamento de coluna, é internado por oito meses e fica tetraplégico. Era o fim de sua carreira, aos 20 anos de idade.
Quase 10 anos se passaram desde então. Com muito esforço e incansáveis sessões de fisioterapia, Bruno recuperou alguns dos movimentos do corpo. Mas ainda vai demorar muito tempo para Bruno esquecer o que aconteceu naquela madrugada de agosto.
"Para mim, a maior perda foi a vida do Weverson e da Natália. Por mais que os médicos falassem que eu não ia recuperar os movimentos e que ia precisar de aparelhos até para respirar pro resto da vida, eu acreditava que tudo isso poderia ser revertido, como aos poucos estou conseguindo. Porém, a vida deles não tem volta...", lamenta, em entrevista à Rádio ESPN.
A tristeza pelo acidente é algo que dificilmente irá passar. Mas Bruno resolveu tocar em frente, e hoje é uma das esperanças do Brasil nos Jogos Paralímpicos do Rio-2016. O ex-goleiro hoje é atleta de vela, atividade que o ajudou na recuperação.
"Eu comecei a reabilitação fazendo natação, depois fui chamado para conhecer a vela na represa de Guarapiranga, em São Paulo. No começo, só fazia parte do meu programa de reabilitação, não tinha pretensão de seguir no esporte. Mas meu treinador tinha disputado a Olimpíada de 2008 e me falou da classe Skud 18, que é mista, e disse que, se eu arrumasse uma menina, conseguiria ir para Olimpíada", conta.
Foi assim que começou a parceria entre Bruno e Elaine Cunha, que também ficou tetraplégica após um acidente de carro. Através do Mundial Paralímpico de 2011, eles conseguiram vaga nas Paralimpíadas de Londres-2012. Ficaram em último lugar nas águas de Weymouth, mas o resultado é comemorado quase como uma medalha pelo ex-goleiro.
"Foi um sonho realizado (competir em Londres), já que eu tinha a expectativa de ir para os Jogos de Pequim-2008 pelo futebol. Por conta do acidente, não pude ir. Mas a vida dá voltas", filosofa.
Hoje, Bruno mora no Rio de Janeiro e tem a vela como profissão, além de uma nova parceira: como Elaine ficou grávida, ele agora compete com Marinalva de Almeida. Os treinos são intensos, com treinadores ingleses, que não dão descanso ao ex-jogador.
"Quando comecei na vela, não aguentava 10 minutos no barco, porque sentia muitas dores. Então, fui fazer muitos exercícios de fisioterapia e passar em um centro de reabilitação para recuperar a força. Hoje, consigo ficar cinco horas dentro do barco e não sinto mais cansaço", relata o agora atleta paralímpico.
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A expectativa para o ano que vem é tentar uma medalha nos Jogos do Rio. Quem sabe um ouro, que marcaria a volta por cima de Bruno exatamente 10 anos depois do acidente que mudou a sua vida.
"Espero chegar entre os sete primeiros, mas podemos até sonhar e buscar uma medalha, quem sabe? Eu vou passar por esse período de treinamentos mais intensos para os Jogos Olímpicos, e vou dar o meu melhor, como sempre fiz na vida. O esporte me deu uma nova motivação depois de tudo o que aconteceu. Essa Paralimpíada para mim é como se fosse uma Copa do Mundo".
Amizade com Rogério Ceni
Bruno começou como goleiro no São Paulo aos 11 anos. Talentoso, era visto no Morumbi como sucessor de Rogério Ceni, já que era titular das seleções brasileiras de base e treinava entre atletas mais velhos. Em 2003, foi campeão do Mundial sub-17, em cima da Espanha, e terminou o torneio como melhor arqueiro segundo a Fifa. Já em 2005, ficou com o bronze no Mundial sub-20. Estava tudo traçado para ele estar com a seleção sub-23 nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008.
Mas o acidente de carro acabou colocando fim ao seu sonho...
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"No São Paulo, eu atuava sempre dois anos acima da minha idade com o Fábio Santos, Hernanes, Jean... Tenho amizade com o Fábio Santos até hoje! Nunca joguei profissionalmente, mas fui a algumas partidas para o banco de reservas. E na seleção de base atuei em todas as categorias", recorda.
Dos tempos de CT da Barra Funda, Bruno guardou enorme admiração por Rogério Ceni, a quem considera seu grande exemplo. Eles se falam até hoje por telefone, sempre que possível.
"Ele é um exemplo e um ídolo não só para mim, mas para todos os são-paulinos. Cheguei a ver o Rogério fazer corrida na esteira às 23h um dia antes de uma partida contra o Palmeiras! Ele até me chamou para ficar conversando enquanto ele corria. São coisas que você não imagina de um cara que é o maior ídolo de um clube, chamar um recém-promovido dos juniores para conversar", recorda.
O ex-goleiro cita inclusive o carinho que Ceni demonstrou no fatídico dia do acidente. O ídolo tricolor foi um dos primeiros a chegar ao hospital para prestar assistência.
"Foi ele quem fez a minha ficha no hospital. Eu brinco até que ele chegou primeiro que meus pais (risos). Mesmo depois do acidente, o Rogério sempre demonstrou um enorme carinho por mim, foi várias vezes me ver quando estava internado. Teve um dia que antes de uma viagem pelo São Paulo ele apareceu antes das 6h da manhã, que era o único horário que ele tinha livre", conta, antes de fazer mais revelações.
"O Rogério se preocupa muito com as pessoas, ele tem muitas ações com instituições de caridade que não aparecem. Teve um período que ele tinha uma ação com a Penaltyque toda vez que fazia um gol doava 100 cestas básicas a uma instituição de caridade, mas foi pouco divulgado isso na mídia. Ele faz as coisas e fica na dele", comenta.
De 'novo Ceni' a advogado
Bruno lembra-se até hoje da primeira vez que visitou o CT são-paulino após o acidente. Demorou quatro anos para que ele conseguisse encarar tamanha emoção. Em 2010, porém, foi muito bem recebido pelos amigos, e bateu longo papo com Rogério Ceni enquanto era empurrado por seu ídolo na cadeira de rodas.
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"Foi uma emoção muito grande. Reencontrei muitos amigos, não só jogadores, como também os funcionários, depois de muito tempo. O Rogério conversou muito comigo, foi ótimo ver os goleiros e os preparadores. Mas não tive aquela sensação de que poderia estar em campo, procuro não pensar nisso... Procuro seguir a minha vida agora na vela e melhorar cada dia mais no esporte que eu estou hoje, para fazer outra história", afirma.
Fora do futebol, o ex-goleiro segue torcendo pelo São Paulo, seu time de coração, enquanto termina sua graduação em direito. Daqui a pouco mais de dois anos, ele será advogado, e pretende atuar na área de esportes e de direitos dos cadeirantes.
"Demorei um pouco até achar alguma outra profissão, mas hoje estou fazendo direito e em cinco semestres me formo. No começo, pensei em fazer educação física, mas achei importante conhecer os direitos da minha nova condição e poder ajudar outras pessoas a conhecerem isso. Ainda não sei se vou advogar, talvez possa fazer um concurso ou mais pra frente poderei até mesmo entrar na área esportiva", revela.
Bruno também agradece ao clube do Morumbi por nunca tê-lo abandonado nos anos depois do acidente. A equipe tricolor pagou seus salários normalmente e também a casa onde ele morava. Hoje, porém, não tem mais vínculo com o clube, e prefere ser independente. Do São Paulo, guardou grandes amigos e boas memórias.
"Sempre que preciso de qualquer coisa, algum exame mais específico, tenho ajuda através do Rogério ou do Dr. Marco Aurélio Cunha. A amizade que eu fiz lá dentro é melhor que muito dinheiro que eu poderia receber deles", finaliza.
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