segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Ídolo histórico do Santos reaprende a andar em luta contra o diabetes

Mais de cem, menos de 200 metros. Dois quarteirões. A pequena distância entre a Vila Belmiro e o sobradinho amarelo não é mais percorrida  pelo ilustre morador. Antonio Wilson Honorio, o Coutinho, há muito não vai ao palco onde fez muitos dos 370 gols de sua curta e gloriosa carreira. 
Não vai porque o futebol não mais o seduz. "Só vejo na televisão e se estiver ruim, já mudo de canal. Gosto mesmo é de ver o Messi, um craque espetacular. O Neymar, não. Joga para ele mesmo, quer vestir as onze camisas, não teria lugar no meu Santos de antes", diz o maior parceiro de Pelé.
 
Não vai porque não pode andar. O diabetes, velho companheiro, cobrou a conta e ele precisou amputar os três dedos do meio de seu pé esquerdo, que não pode ser colocado no chão. Passa a maior parte do dia sentado em frente à televisão e, para se locomover, utiliza um andador, nunca pousando o calcanhar no chão. Move-se com "pulinhos".
 
.A rotina diária é difícil, mas já foi pior. As sessões diárias de fisioterapia na perna direita, "a perna boa", como diz Amanda, uma das filhas, foram encerradas. . "Nesse primeiro momento, a intenção era evitar uma espécie de atrofia na perna direita".
 
Ele se alimenta com restrições normais a um diabético, e toda a tarde passa por sessões de aplicação de oxigênio em uma câmara hiperbárica. "Imagina uma cápsula de comprimidos gigante.  Ele entra, ela se fecha totalmente, coloca uma máscara de oxigênio e fica lá por uma hora e meia. É como se estivesse a 14 metros de profundidade. A função do tratamento é acelerar o processo de cicatrização", fala Amanda.
 
Depois, em dezembro, quando se espera que a cicatrização esteja completa, as  sessões de fisioterapia serão nas duas pernas.  "Meu pai vai aprender a andar de novo. Vai reaprender a ter equilíbrio e, com o uso da muleta vai tudo melhorando. Nossa expectativa é que ele volte a andar normalmente em menos de um ano".  
 
Tudo começou após uma gravação, com o velho parceiro Pelé, na sede do Santos. Coutinho compareceu mas não quis comer nada, o que é estranho para um glutão, que se confessa fã incondicional de leitões assados.
 
Chegou em casa e foi trocar a pilha do relógio. "Senti uma tontura muito grande e quase caí. Um conhecido me amparou e telefonou para minha filha. Ela me buscou em casa. Não consigo lembrar quem me ajudou. Queria que ele viesse aqui para eu agradecer", diz Coutinho.
 
Dona Vera, companheira há 51 anos, lembra que a internação foi imediata. "Foi no dia 16 de maio. Ficou quatro dias em Santos e depois foi para São Paulo. Teve perigo de amputação da perna, mas foram apenas três dedos, se é que se pode falar apenas, não é?" 
 
Foram três cirurgias, durante o mês de junho. 
 
Ela lamenta o poder da doença. "Ele sempre tomou os remédios direitinho, nunca deixou de lado, mas abusava da comida. Adora pudim de leite, se pudesse agora, depois de tudo, ainda comeria".
 
Amanda conta que uns dias antes Coutinho havia se lambuzado com um leitão pururuca. "É assim que ele gosta, quanto mais gordura melhor. É o mal dele, fritura e doces. Não adianta tomar os remédios direitinho, 15 por dia, se não resiste à comida".
 
O sobrepeso sempre foi um problema para Coutinho. Serviu para abreviar sua carreira. No livro "Coutinho, o gênio da área", o autor Carlos Fernando Schinner conta que o preparador físico Alcino Pelegrini dizia constantemente ao atacante, que odiava exercícios físicos, a seguinte frase: "Se você não emagrecer, eu vou perder o emprego". A profecia se concretizou.  
 
Coutinho estreou no Santos em maio de 1959, um mês antes de completar 15 anos. Fez sua última partida em 21 de novembro de 1970, aos 27 anos, depois de 457 jogos e 370 gols. Jogou ainda no Atlas do México, Bangu, do Rio e Saad em São Caetano, seu último clube. 
 
Parou aos 30 anos, com fama de craque e de rabugento, ambas confirmadas. "Ele é bravo mesmo, reclama muito de tudo e agora está um pouco pior", diz, rindo, dona Vera.
 
Rabugento?  Um pouco, o que tornou a entrevista em sua casa uma luta para se arrancar alguma confissão, para que se abrisse. Logo no início, mostrou-se um pouco desconfortável, o que melhorou um pouco. Só um pouco. Abaixo, um resumo da entrevista ao UOL Esporte:
 
UOL Esporte: Sobre o que vai ser essa matéria?
Coutinho: Vamos falar um pouco sobre a sua carreira, sobre o futebol de hoje e sobre sua recuperação. Mas eu já falei muito sobre minha carreira. Olha, na verdade eu nem sei porque virei jogador. Não gosto de correr. Nem gosto de andar, só se for devagar.
 
UOL Esporte: Então, como alguém que não gosta de andar pode ter sido um craque?
Coutinho: Craque, você é que está falando. Futebol é conjunto, não jogava sozinho. Não tem essa de craque.
 
UOL Esporte: Mas alguém que faz tantos gols é craque.
Coutinho: Pode ser, a questão era posicionamento. Eu sabia me colocar, fiz 165 gols de cabeça. 
 
UOL Esporte: Está vendo, já apareceu um certo orgulho.
Coutinho: Não, eu tenho orgulho de ter jogado no Santos, um dos maiores times do mundo. Isso eu não nego, mas sozinho ninguém joga, sozinho ninguém é craque.
 
UOL Esporte: Como era a tabelinha com Pelé?
Coutinho: Tabelinha, uai. Um tocava para o outro.
 
UOL Esporte: Só isso?
Coutinho: Tabelinha é tabelinha e havia um entendimento grande entre dois grandes jogadores.
 
UOL Esporte: O Eduardo Galeano, que é um grande escritor uruguaio, disse que o senhor jogava com um esparadrapo no pulso para se distinguir do Pelé porque eram muito parecidos
Coutinho: Que bobagem. Nunca aconteceu isso. 
 
UOL Esporte: O senhor gostaria de ter jogado no futebol de hoje?
Coutinho: Não. Preferia do meu tempo, não tinha tanta vontade de aparecer.
 
UOL Esporte: O senhor jogou no tempo de Di Stefano. Ele era melhor que Messi.
Coutinho: Não. Não serve nem para amarrar a chuteira do Messi. O Messi é um craque, é um jogador que me dá vontade de ver jogar.
 
UOL Esporte: E o Neymar é craque?
Coutinho: Não. Não existe craque que joga sozinho, que quer vestir as onze camisas ao mesmo tempo.
 
UOL Esporte: Por que do famoso ataque Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe apenas o Pelé teve tanto sucesso na seleção.
Coutinho: Bem, eu tive azar, estava sempre machucado. O Pepe também se machucou em 58 e o Zagallo nunca mais saiu. Tinha o Canhoteiro também, mas esse era muito desligado. Naquele tempo, o jogador tinha de se apresentar de terno, não era igual hoje, cada um de um jeito. O Canhoteiro não fazia diferença se era a seleção ou o São Paulo. Ele não se importava e isso atrapalhou E o Zagallo é que se deu bem.  
 
UOL Esporte: E a recuperação, como vai?
Coutinho: To esperando a cicatrização. Fico vendo televisão e espero melhorar. Olha, onde vai sair essa matéria?
 
UOL Esporte: No Uol, site de Intenet.
Coutinho: Ah, então nem vou ver. Detesto computador.

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