sábado, 12 de abril de 2014

Tricampeão brasileiro de boxe perde barraco após incêndio em favela


O boxeador Daniel Saboia, três vezes campeão brasileiro dos meio-médios, começou a manhã da última sexta-feira martelando placas de madeira que encontrou no lixo para reconstruir seu barraco na favela da Fazendinha, dizimada por um incêndio na semana passada.
Ao redor dele, um cenário pós-apocalíptico: um resto de lixo pegava fogo, as crianças dividiam colchões com cachorros vira-latas, um poste de eletricidade ameaçava desabar, os velhos discutiam uns com os outros, um homem vendia pinga numa banquinha improvisada, a fumaça e a fuligem impregnavam em todo o mundo um cheiro amargo de queimado.
Daniel não parou de trabalhar quando a reportagem se aproximou e quis saber o que tinha levado um atleta de ponta a morar ao lado do córrego Aricanduva, em um barraco de uns 3 m² sem água encanada, embaixo de um viaduto na zona leste de São Paulo.
"O boxe nunca me deu nada", ele afirma entre uma martelada e outra. "Fui campeão, teve transmissão da TV e eu ganhei R$ 1.000 de bolsa."
Ele se corrige: "R$ 800, porque R$ 200 foram pro meu técnico".
Mesmo com um cartel de 19 vitórias (18 nocautes) em 23 lutas, ele percebeu rápido que não dava para esperar dinheiro do esporte.
E começou a trabalhar na rua. Fez bicos de segurança, de porteiro e virou flanelinha no cruzamento da Maria Eugênia com a Celso Garcia, no Tatuapé.
Sua história comoveu jornalistas há alguns anos e ele deu entrevistas para sites, jornais e emissoras de TV, sempre com luvas, o cinturão e um saco em que dava socos entre uma manobra e outra.
Ele acreditava que a exposição lhe ajudaria a atrair um patrocinador, um empresário, alguém que lhe permitisse se dedicar apenas ao esporte.
Nada aconteceu.
Com mulher, um enteado e uma renda incerta de R$ 1.000 mensais, ele decidiu que não poderia continuar pagando aluguel por muito tempo. Aceitou o convite de um amigo para montar uns barracos embaixo do viaduto.
Daniel foi um dos fundadores da Fazendinha, favela que hoje divide muro com um conjunto de prédios residenciais em construção para a classe média.
Ele levantou o barraco com a esperança de que, através dele, entraria no cadastro da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, estatal paulista que distribui moradias para quem não pode pagar por uma.
Ele e Mirian, sua mulher, dividiam seu tempo entre a favela e uma casa alugada em outra parte da cidade, dinheiro que lhes consumia quase todo o orçamento — ela trabalha como diarista.
Boa parte de suas posses (televisão, roupas, armário) ficava no barraco, onde ele improvisou também uma academia para as crianças da comunidade brincarem nos fins de tarde.
Na quarta-feira da semana passada, ao voltar do trabalho, ele viu tudo isso pegar fogo à distância, impotente. As chamas chegaram até o sétimo andar do prédio vizinho. Não se sabe como elas começaram. Duas crianças ficaram feridas gravemente. Mil e seiscentas pessoas, desalojadas.
"Ver tudo destruído... ter que começar do zero...", ele diz ao mostrar no celular o vídeo da casa pegando fogo. De repente, uma placa de madeira da altura de um homem se desprende do esqueleto do barraco e cai perto de seus pés. Ele a levanta e se prepara para pregá-la de novo.
"Não tem jeito, né? Tem que começar de novo. Alguém lá em cima deve estar vendo."

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